
A nutrição esportiva tem papel fundamental no desempenho de atletas de endurance, como corredores de longa distância, ciclistas e triatletas.
Entre os diferentes nutrientes, os carboidratos se destacam como a principal fonte de energia para exercícios prolongados. Compreender como o corpo utiliza esse macronutriente e quais são as estratégias mais eficazes para seu consumo pode fazer a diferença entre completar uma prova com excelência ou enfrentar uma queda de rendimento. Neste artigo, vamos explorar a importância dos carboidratos na performance, recuperação e consistência nos treinos de endurance.
Carboidratos como fonte de energia
Quando ingerimos alimentos ricos em carboidratos, eles são digeridos e transformados em glicose, a principal fonte de energia utilizada pelas células do corpo durante o exercício.
Essa glicose pode ser usada de imediato ou armazenada para uso posterior, dependendo da demanda energética do organismo. Parte da glicose obtida na digestão entra rapidamente na corrente sanguínea, onde pode ser utilizada diretamente pelos músculos como fonte de energia durante o esforço físico. A glicose excedente é armazenada no fígado e nos músculos sob a forma de glicogênio. Essas reservas funcionam como uma bateria energética, sendo fundamentais para sustentar o desempenho em atividades prolongadas. Quando a glicose sanguínea começa a diminuir, o corpo recorre a essas reservas para manter a oferta de energia.
Onde o Corpo Armazena Energia?
O corpo humano possui diferentes formas de estocar energia para o exercício. As principais são:
Glicogênio Muscular: É a principal fonte de energia durante exercícios de alta intensidade. Fica armazenado dentro das células musculares e é usado localmente — ou seja, cada músculo utiliza o seu próprio estoque. Em pessoas treinadas, o armazenamento pode chegar a 400–600g de glicogênio, o equivalente a cerca de 1.600–2.400 kcal. No contexto de endurance, essas reservas duram entre 90 a 120 minutos de exercício contínuo.
Glicogênio Hepático: Estocado no fígado (100–120g), esse glicogênio serve para manter os níveis de glicose no sangue estáveis, alimentando órgãos como o cérebro e fornecendo glicose aos músculos. Em exercícios moderados a intensos, essa reserva pode se esgotar em cerca de 60 a 90 minutos.
Gordura Corporal (Triglicerídeos): Mesmo atletas magros possuem dezenas de milhares de calorias armazenadas em forma de gordura. No entanto, o corpo demora mais para converter gordura em energia, tornando-a uma fonte menos eficiente durante esforços intensos. É mais utilizada em intensidades leves a moderadas ou quando o glicogênio já está em queda. Algumas pesquisas mostram que uma adaptação ao uso de gordura (como em dietas cetogênicas) pode beneficiar atletas de ultra-endurance, mas essa abordagem exige tempo e orientação especializada.
Fosfocreatina (PCr): É uma fonte de energia instantânea, usada nos primeiros segundos de esforço explosivo, como tiros ou sprints. Tem papel secundário nos esportes de endurance, mas ainda assim pode ser relevante em subidas, arrancadas ou sprints finais.
Como Maximizar os Estoques de Glicogênio?
A chave para otimizar o uso de glicogênio é garantir que suas reservas estejam cheias antes do esforço físico. Isso se dá por meio da ingestão adequada de carboidratos nos dias anteriores à prova ou treino.
Em uma rotina de treinos moderados no geral, um atleta homem deve ingerir entre 5–7g de carboidrato por kg de peso corporal por dia. No caso de treinos intensos ou véspera de prova essa quantidade deve aumentar para 7–10g/kg/dia. Por exemplo, um atleta de 70kg deveria consumir entre 490 e 700g de carboidratos na véspera de uma prova longa.
Quando Comer Carboidratos?
Baseado no que foi discutido até agora, existem regras de bolso para quando transicionar para uma dieta mais ou menos rica em carboidratos.
1 a 3 dias antes da prova
- Aumente o consumo de carboidratos de fácil digestão.
- Reduza o volume de treino para permitir supercompensação de glicogênio.
- Exemplos: arroz branco, pão, macarrão, frutas, sucos.
3 a 4 horas antes da largada
- Faça uma refeição com 1–4g de carboidrato por kg.
- Evite fibras e gorduras em excesso.
- Exemplo para 70kg: entre 70 e 280g de carboidrato (p.ex., arroz com ovo, batata com mel).
30 a 60 minutos antes
- Pequeno lanche com 25–50g de carboidrato simples.
- Exemplos: banana com mel, bebida esportiva, gel energético.
Durante o exercício
Durante atividades acima de 1 hora, a ingestão de carboidrato é essencial para preservar o glicogênio e evitar a queda de performance.
- 60–90 min: ~30g de carboidrato por hora.
- 90–180 min: 45–60g/h.
- Acima de 2h30: até 90g/h (se o atleta tiver o intestino treinado para isso).
Uma nota importante: a combinação de diferentes tipos de açúcar (glicose + frutose) melhora a absorção e a tolerância.
Conclusão
O papel dos carboidratos na performance esportiva é indiscutível, sobretudo em modalidades de endurance. Garantir que o corpo esteja abastecido com as reservas ideais de glicogênio é uma das estratégias mais eficazes para adiar a fadiga, sustentar o ritmo e otimizar o rendimento em treinos e provas. Mais do que apenas “comer bem”, trata-se de comer estrategicamente, respeitando os momentos certos, as quantidades adequadas e a individualidade de cada atleta.
Seja por meio de uma boa refeição pré-prova, da ingestão correta de carboidratos durante o exercício ou do planejamento nutricional nos dias que antecedem a competição, o que está em jogo é a capacidade do corpo de manter-se eficiente sob demanda. Nutrição esportiva não é apenas suporte — é parte ativa da performance.
Referências
Coyle, E. F. (1995). "Substrate utilization during exercise in active people." American Journal of Clinical Nutrition. Esse artigo examina o uso de carboidratos como substrato preferencial em exercícios intensos e longos.
Jeukendrup, A. E. (2004). "Carbohydrate intake during exercise and performance." Nutrition. Discute a importância da ingestão de carboidratos para melhorar o desempenho de endurance.
Volek, J. S., & Phinney, S. D. (2012). "The art and science of low carbohydrate performance." Um livro que examina o impacto das dietas cetogênicas na performance de endurance.
Burke, L. M., et al. (2020). "Low-carbohydrate, high-fat diet impairs exercise economy and negates the performance benefit from intensified training in elite race walkers." Journal of Physiology. Esse estudo traz uma visão crítica sobre dietas de baixo carboidrato, sugerindo que, embora possam aumentar a oxidação de gordura, elas podem prejudicar o desempenho de alta intensidade.