Qual o tempo ideal para treinar para uma Corrida?

Apesar de no mundo da corrida não existir tempo ideal, e cada treinador e/ou atleta ter seus próprios métodos, crenças e estilos de treinamento, um grande atleta e treinador Jack Daniels sugeriu em seu livro Daniels' Running Formula um método baseado em dados que se tornou amplamente aceito dentre corredores.

Jack Daniels é um dos treinadores de corrida mais respeitados e influentes no mundo do atletismo, carregando um histórico impressionante tanto como atleta quanto como treinador. Ele é um ex-pentatleta olímpico, tendo competido nos Jogos Olímpicos de 1956 e 1960, nos quais conquistou duas medalhas de prata. Além disso, ele é doutor em fisiologia do exercício e escreveu o livro, no qual detalha seu método de treinamento para corrida, Daniels' Running Formula.

 

A fórmula de Jack Daniels

Daniels recomenda um treinamento estruturado e dividido em fases, com duração entre 12 e 24 semanas antes da corrida, dependendo da distância e da experiência do corredor. Cada fase tem um objetivo específico, que prepara o corpo para alcançar o melhor desempenho no dia da prova.

Esse tempo de treinamento funciona porque permite que o corpo se adapte gradualmente aos diferentes tipos de estímulos, garantindo uma progressão eficiente. Cada fase do treinamento constrói sobre a anterior, o que é fundamental para maximizar as adaptações fisiológicas, como a melhoria da capacidade aeróbica e da resistência muscular. Além disso, distribuir os treinos intensos ao longo do tempo, intercalando com períodos de menor intensidade, ajuda a prevenir lesões e evitar o desgaste físico, mantendo o atleta saudável e em condições de evoluir consistentemente.

Além das adaptações físicas, a estrutura do plano de treinamento também contribui significativamente para a preparação mental. Um cronograma bem definido aumenta a confiança e o foco, fatores essenciais para o sucesso no dia da corrida. Nas últimas semanas, a estratégia de tapering, ou diminuição gradual da carga de treino, permite que o corpo recupere totalmente, garantindo que o atleta chegue ao dia da competição descansado e pronto para dar o seu melhor.

 

As Fases do Treinamento:

1 - Fase Base (4-6 semanas): O objetivo aqui é construir uma base aeróbica sólida por meio de treinos em ritmo fácil (cerca de 60-75% do VO2max). Durante a fase 1 deve-se aumentar gradualmente a quilometragem semanal, sem se preocupar com a intensidade. A ênfase é em longos períodos de corrida a uma intensidade baixa. Por exemplo, para um corredor de 10KM isso pode significar corridas diárias de 5 a 8 km em um ritmo confortável, com um longo de 12-16 km no fim de semana.

A fase 1 consiste desse tipo de treino, pois treinamento aeróbico de baixa intensidade melhora a capacidade do corpo de transportar e utilizar oxigênio (melhora do V̇O₂max) e aumenta a densidade mitocondrial e a capilarização dos músculos.

Corredores de elite também utilizam variações dessa fase, e pesquisas indicam que os mesmos passam até 80% do tempo de treinamento em intensidades baixas durante essa fase

 

2 - Fase de Qualidade Inicial (4-6 semanas): O objetivo agora é introduzir velocidade e força. Aqui introduz-se repetições R-pace, que são treinos em velocidade máxima sustentável por cerca de 5 minutos (cerca de 95-100% do V̇O₂max) e corridas em subida curtas e intensas, focadas em melhorar a força muscular específica para a corrida.

Um exemplo seria um treino de repetições de 200-400m em pista ou subidas de 100-200m em ritmo forte, com recuperação completa entre as repetições.

Esse tipo de treinamento aumenta a capacidade anaeróbica e a eficiência neuromuscular, melhorando a economia de corrida e a força. Sessões de intervalos de alta intensidade são comprovadas para melhorar o desempenho em corridas de média distância, devido ao aumento na capacidade de buffer de lactato e na eficiência muscular.

 

3 - Fase de Transição (4-6 semanas): Objetivo: Aumentar a intensidade com treinos de limiar e intervalos. Aqui há a introdução de corridas em ritmo de limiar (T-pace) e intervalos no ritmo do V̇O₂max (I-pace).

Aqui são colocadas corridas contínuas em ritmo ligeiramente mais lento que o ritmo de 10K (cerca de 85-90% do V̇O₂max), sustentáveis por cerca de 20 a 40 minutos (T-pace) e corridas em intervalos em ritmo de V̇O₂max (cerca de 95-100% do V̇O₂max), com intervalos de descanso ativos entre as séries (I-pace).

Um exemplo de tipo de treino seria corrida de 20 minutos em ritmo de limiar ou 5x1000m em ritmo de V̇O₂max com descanso de 2 minutos.

Os treinos da fase 3 são construídos para melhorar a eficiência metabólica, aumentando o limiar de lactato e a capacidade de manter velocidades mais altas por mais tempo. Treinos em ritmo de limiar demonstram aumentar a capacidade do corpo de tamponar o lactato, atrasando a fadiga muscular.

 

4 - Fase de Pico (4-6 semanas): A partir da fase 3, o corredor já passou pela maior parte do trabalho, e precisa fazer os aperfeiçoamentos finais para a prova - objetivo da fase 4. Aqui a ideia é preparar o atleta para atingir seu pico de capacidade de corrida no dia da prova.

O treinamento tem foco em simular as condições da corrida, ajustando o corpo ao ritmo da prova. Gradualmente diminui-se o volume de treinos para permitir a recuperação e o descanso completo antes da prova.

A diminuição gradual da carga de treino (tapering) permite que o corpo se recupere, reparando microlesões e restaurando reservas de glicogênio, levando a um pico de performance. Pesquisas mostram que uma redução de 20-30% no volume de treino nas últimas 2-3 semanas melhora o desempenho em provas .

Exemplos de treinos seriam corridas longas em ritmo de prova para maratonistas ou sessões de treinos fracionados (como 3x3000m) em ritmo de 10K.

 

O modelo de treinamento de Jack Daniels, com suas fases claramente definidas, é fundamentado na ciência do esporte e tem como objetivo maximizar a performance no dia da prova. Cada fase tem um propósito específico, garantindo que o corredor desenvolva a resistência, a força e a velocidade necessárias para alcançar o melhor resultado possível, minimizando o risco de lesões e otimizando a adaptação fisiológica. Seguir este plano pode transformar a abordagem de um corredor ao treinamento, levando a melhores resultados em qualquer distância.

 

Referências

  1. Daniels, Jack. (2005). Daniels' Running Formula (2nd Edition). Human Kinetics.
    Este é o livro onde Jack Daniels apresenta sua metodologia de treinamento, incluindo as fases descritas e os conceitos de V̇O₂max, ritmo de limiar e outras estratégias de treinamento.

  2. Midgley, A. W., & McNaughton, L. R. (2006). Time at or near VO2max during continuous and intermittent running: A review with special reference to considerations for the optimisation of training protocols to elicit the longest time at or near VO2max. Journal of Sports Medicine and Physical Fitness, 46(1), 1-14.
    Este estudo discute a importância do treinamento no V̇O₂max e a otimização dos protocolos de treino para maximizar o tempo em que os atletas operam nessa capacidade.

  3. Laursen, P. B., & Jenkins, D. G. (2002). The scientific basis for high-intensity interval training: Optimising training programmes and maximising performance in highly trained endurance athletes. Sports Medicine, 32(1), 53-73.
    Este artigo revisa a base científica dos treinos intervalados de alta intensidade (HIIT), destacando como esses métodos melhoram a performance em atletas de resistência.

  4. Billat, V. L., & Koralsztein, J. P. (1996). Significance of the velocity at VO2max and time to exhaustion at this velocity. Sports Medicine, 22(2), 90-108.
    Estudo que explora a importância da velocidade correspondente ao V̇O₂max e o tempo até a exaustão nesse ritmo, uma base teórica para os treinos intervalados propostos por Daniels.

  5. Mujika, I., & Padilla, S. (2003). Scientific bases for precompetition tapering strategies. Medicine & Science in Sports & Exercise, 35(7), 1182-1187.
    Pesquisa sobre estratégias de tapering (redução gradual do volume de treino) que mostra como essa prática pode otimizar o desempenho em competições.

  6. Hickson, R. C. (1980). Interference of strength development by simultaneously training for strength and endurance. European Journal of Applied Physiology and Occupational Physiology, 45(2-3), 255-263.
    Um dos primeiros estudos a discutir a interferência entre o desenvolvimento da força e da resistência, justificando a separação dos treinos de força (como subidas) dos treinos de resistência em programas como o de Daniels.
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