
A evolução do vestuário esportivo ao longo do tempo é pautada por profundas mudanças tecnológicas, sociais e culturais. Partindo de peças simples e práticas feitas de materiais básicos como algodão e lã, o varejo esportivo (sportswear) evoluiu gradualmente para atender às demandas de atletas e de uma sociedade cada vez mais ativa.
Na década de 1920-1930, surgiram peças específicas para modalidades como tênis e natação, com maior atenção ao estilo e aparência. Durante a Segunda Guerra Mundial, a escassez de tecidos e materiais impulsionou o desenvolvimento de novos tecidos sintéticos, como o nylon, focados em funcionalidade e durabilidade. Nas décadas de 1950-1960 e 1970-1980, o sportswear se tornou mais leve, respirável e tecnológico, com a introdução de materiais como poliéster, spandex e microfibras. Nas últimas décadas, a revolução tecnológica trouxe avanços significativos, com tecidos inteligentes, sistemas de ventilação e amortecimento, além da crescente importância do estilo e da moda nesse segmento. Hoje, o sportswear continua evoluindo rapidamente, com foco em oferecer aos usuários benefícios tangíveis que melhorem seu desempenho esportivo e sua experiência geral de forma a desempenhar um papel crítico na influência da performance em diversas atividades físicas, incluindo exercícios, treinos e esportes competitivos.
Roupas e seus tecidos podem de fato impactar a performance esportiva
Não é segredo que o “tecido” é o principal fator que define a qualidade de peças de roupa. Os tecidos são compostos de uma variedade de fibras, e diferentes fibras conferem diferentes propriedades ao tecido. Marcas e fabricantes de tecido podem combinar diferentes fibras, em diferentes concentrações, de acordo com o objetivo da peça.
Por exemplo, considere os shorts de corrida. Um short de corrida deve ser leve para não limitar os movimentos e ter tecido respirável para permitir a circulação de ar, ajudando na regulação da temperatura corporal. Ele precisa absorver o suor e secar rapidamente, mantendo o atleta seco e confortável, enquanto oferece elasticidade suficiente para garantir amplitude total de movimento. Além disso, o material deve ser durável, resistindo ao desgaste e a lavagens frequentes sem perder suas propriedades essenciais. Isso tudo depende principalmente do tecido utilizado na peça.
Um caso clássico é o dos "super maiôs" de natação, também conhecidos como "trajes tecnológicos", que tiveram um impacto significativo na natação competitiva, principalmente no final da década de 2000. Esses trajes foram desenvolvidos com poliuretano e elastano de alta tecnologia para melhorar a hidrodinâmica, reduzir o arrasto e melhorar a flutuabilidade dos nadadores. Os estudos do tema indicam que o impacto dos super maiôs na performance variava de 2% a 5%, dependendo da prova, distância e características do nadador.
A eficácia dos super-maiôs era tanta que resultou em um aumento significativo de recordes mundiais entre 2008 e 2009, e foram futuramente proibidos pela Federação Internacional de Natação (FINA) para uso em competições oficiais, sendo impostas também novas regras para o uso do material, design e cobertura dos trajes.
Outro exemplo é o das roupas para corridas de 100 metros rasos. Estudos mostram que vestir uma camiseta larga e shorts largos aumenta a resistência do ar em mais de 23% na corrida de 100 metros. Nessa modalidade, uma combinação de cabelo cacheado longo e roupas largas pode reduzir em até 0,07 segundos o tempo de corrida, o suficiente para perder a medalha de ouro para outro competidor.
Princípios semelhantes se aplicam a uma ampla gama de esportes, particularmente aqueles em que milissegundos podem determinar o resultado de uma corrida ou competição.
Temperatura ambiente e papel das roupas na corrida
Um dos principais fatores determinantes na performance esportiva, especialmente em esportes de endurance, é a temperatura ao longo da atividade física. Estudos como “Influence of Environmental Temperature on Marathon Running Performance in Men and Women” (Ely, M.R., et al., 2007) e "Effects of Ambient Temperature on Marathon Running Performance: a Retrospective Analysis" (Zhang, Y., et al., 2018) afirmam que para cada grau Celsius acima de 10-12°C, o desempenho dos corredores pode cair em até 2-4%, com amadores sendo mais impactados que corredores de elite.
Traduzindo isso para o antigo Recorde Mundial de Eliud Kipchoge na Maratona de Berlim de 2018, realizada na época a 17°C de temperatura, significaria um acréscimo de 3 minutos e 16 segundos, o que faria sua corrida ser apenas a sétima mais rápida do mundo naquele momento, caso ele tivesse corrido em condições mais quentes (ou seja, 25°C - cálculo baseado em uma diminuição de desempenho de 2,7%, conforme sugerido por Ely et al.).
Outro estudo, realizado na Maratona de Londres de 2018 e publicado no International Journal of Environmental Research and Public Health, encontrou uma correlação entre a temperatura no dia da corrida e o tempo de conclusão dos participantes. A corrida de 2018 foi a mais quente nos 37 anos de história da competição (24,1 graus Celsius/75,4 graus Fahrenheit) e, como resultado, o tempo médio de conclusão foi mais lento do que em todas as outras Maratonas de Londres.
Essa redução na performance ocorre por conta de diversos fatores fisiológicos como regulação da temperatura corporal, circulação sanguínea, e principalmente desidratação. Em média, durante uma maratona, corredores vestindo o equipamento adequado suam a uma taxa de 2,3 litros por hora. Sem a regulação de temperatura fornecida por esse equipamento, os corredores perderiam muito mais água, o que poderia afetar adversamente seu desempenho a longo prazo. Assim, é fundamental que o corredor, e obviamente, qualquer atleta de qualquer modalidade, faça a análise correta da temperatura ambiente e das vestimentas que serão utilizadas caso queira atingir o pico de performance. No caso do Brasil, raramente uma prova de corrida será realizada na temperatura ótima proposta por Ely e Zhang, o que significa que os corredores devem procurar sempre as roupas mais respiráveis e leves possíveis, que menor afetarão a sua temperatura corporal durante a prova.
Foi pensando nisso que desenvolvemos os nossos dois modelos de regata, focadas em ser o mais leve e mais respirável possível para os atletas. Conseguimos chegar em um peso total de apenas 40 gramas para a peça, quase 3x menor do que uma camiseta comum, e os feedbacks que temos de atletas de alta performance é que a sensação é de estar “correndo sem camisa”, o que nos indica que a regata está exercendo o seu devido papel no quesito respirabilidade.
Roupas e o ganho de performance psicológica
Além dos aspectos técnicos da vestimenta, também devemos considerar seu impacto psicológico. Introduzido pelos pesquisadores Adam D. Galinsky e Hajo Adam em um estudo inovador publicado no Journal of Experimental Social Psychology, a "Enclothed cognition" acentua como a vestimenta pode influenciar significativamente nossos processos cognitivos e comportamentais. Essencialmente, o que vestimos pode moldar nossos pensamentos, ações e até mesmo a auto-percepção - afetando a performance esportiva.
Em 2012, foi realizado o seguinte experimento: um grupo de voluntários foi selecionado para realizar testes cognitivos e foram divididos em dois grupos. O primeiro grupo vestiria jalecos de laboratório, enquanto o segundo grupo vestiria jalecos "comuns". Após colocarem as roupas, os participantes realizaram uma série de testes e tarefas para avaliar atenção, concentração e resolução de problemas. Durante o experimento, foram coletados dados sobre o desempenho e as percepções dos participantes. Os resultados revelaram que aqueles que vestiram o jaleco de laboratório apresentaram um desempenho superior nas tarefas cognitivas, além de demonstrar maior autoconfiança e foco.
Os pesquisadores concluíram que o simples ato de vestir determinadas roupas pode influenciar processos mentais e desempenho cognitivo. Nos esportes competitivos, os atletas frequentemente usam roupas estilizadas, justas e projetadas explicitamente para um desempenho ideal. Adornadas com os logotipos de marcas prestigiadas, essas peças simbolizam não apenas funcionalidade, mas também a busca pela excelência. Quando os atletas vestem seu equipamento de competição, eles abraçam não apenas os benefícios físicos que acompanham, mas também a mentalidade psicológica de desempenho máximo. As roupas que escolhem se tornam uma extensão de sua identidade, reforçando sua dedicação ao esporte e aumentando sua confiança. Como amplamente sabido, o sentimento de confiança de um atleta na hora da prova impacta diretamente o seu desempenho.
Sendo assim, no competitivo mundo dos esportes, onde as margens entre a vitória e a derrota são mínimas, os atletas estão continuamente buscando maneiras inovadoras de ganhar vantagem. Embora a atenção frequentemente se concentre em técnicas de treinamento, desenvolvimento estratégico e condicionamento físico, roupas esportivas podem ser uma forma de melhorar, mesmo que no subconsciente, o estado mental do atleta no dia da prova.
Referências
Adam, H., & Galinsky, A. (2012). Enclothed cognition. In Journal of Experimental Social Psychology (pp. xxx–xxx). https://doi.org/10.1016/j.jesp.2012.02.008
Laing, R. M., & Sleivert, G. G. (2002). CLOTHING, TEXTILES, AND HUMAN PERFORMANCE. Textile Progress, 32(2), 1–122. https://doi.org/10.1080/00405160208688955
Athletes can be significantly slowed down by long hair and loose clothing, new research shows. (2024, July 24). Heriot-Watt University.